O ano de 1968 fora marcado por muitas transformações e conflitos. Foi o ano em que muitos achavam que seria o início de determinada coisa. Dentre os acontecimentos, houve fatos que marcaram muito, como a Passeata dos Cem Mil. Porém, para que houvessem as manifestações, muitas coisas aconteceram antes para motivar os estudantes, clero, população e os intelectuais a irem às ruas. Os estudantes já protestavam bem antes ao óbito de Edson Luís de Lima Souto. O estudante foi assassinado no dia 28 de março durante conflito com a polícia no restaurante estudantil Calabouço no Rio de Janeiro
Em 21 de junho, sexta-feira, durante uma passeata estudantil, ocorreu uma perturbação em meio à pancadaria junto à Polícia Militar, transformando-se numa batalha a balas, cassetete e pedras. As pessoas dos edifícios jogavam vasos, cinzeiros, cadeiras nos policiais militares. Esta foi chamada de "sexta-feira sangrenta". Porém, o que as pessoas, muito menos a polícia sabia, é que na quarta-feira seguinte haveria uma outra passeata, mas essa não teria qualquer tipo de violência.
No fim de semana foi estabelecida uma assembléia com muitos intelectuais, artistas e jornalistas. Todos estavam chocados com os acontecimentos. Lá estavam Caca Diegues, Jânio de Freitas, Ferreira Gullar, Luís Carlos Barreto, Ziraldo e Hélio Pellegrino, além de Darwin Brandão, um articulador invisível, queorganizou a assembléia em um apartamento do prédio Golden State. Começando às 22 horas a reunião, Vianinha, Ferreira Gullar, Teresa Aragão, Paulo Pontes, Denoy de Oliveira chegaram atrasados, pois, estavam conversando com Cacilda Becker por telefone a respeito de um plano de ação da classe teatral nas cidades. Gullar interrompe a reunião antes que fosse votada uma proposta para mais uma manifestação no dia seguinte. Ele diz que não seria viável fazer essa manifestação. Afinal, a cidade estaria vazia e a pancadaria seria sem testemunhas. Assim, fez duas propostas: ir até o governador do Estado e depois armar uma barraca de protesto dentro de um teatro, ou fazer uma grande manifestação popular, autorizada pela polícia. As duas propostas foram aceitas.
Hélio Pellegrino foi o escolhido como porta-voz do grupo. No Sábado, às 11h45, chegavam ao Palácio Guanabara cerca de 300 intelectuais. Foram conversar com o governador Negrão de Lima, que se sente ofendido por um comentário de Márcio Moreira Alves e não assume nenhum compromisso com as pessoas presentes. Os manifestantes saíram de lá e foram para o Teatro Gláucio Gil, armar a barraca de protesto. Porém, ao final, o governador do Estado, através de uma intervenção do clero, acaba aceitando a proposta da passeata e se compromete a tirar a polícia da rua.
Naquela quarta-feira ensolarada, às 11 horas da manha na Cinelândia, já havia aproximadamente cerca de 50 mil pessoas que gritavam: "liberdade, liberdade," dando início aos discursos. O primeiro a falar foi Vladimir Palmeira. Em seqüência, os discursos com representantes do curso de Museologia, do Diretório Acadêmico da Faculdade de Ciências Médicas, um trabalhador, um representante da FUEC, um representante da UNE, um representante da AMES, um representante dos professores, Hélio Pellegrino, e a representante das mães. Às 13h40min, Vladimir volta a falar, mas dessa vez bem rápido, para dar início à passeata, que teve muitos cartazes. Contudo, em todo o momento, os representantes lembravam que aquela seria uma passeata pacífica, que não era para as
pessoas aceitarem provocações dos policiais. Todos ficavam apreensivos com medo da polícia aparecer.
Às 13h45min, a passeata começa a se dirigir em direção à Candelária. Enquanto as pessoas se movimentam, gritavam rimas repetidas. Todos estavam alegres e, de cima dos prédios, dessa vez caiam papeis picados. Por onde passavam, eram aplaudidos. De braços dados, em alas, seguia o desfile. Havia a ala dos artistas, do clero e a linha dos deputados. Às 16 horas a passeata estava na Candelária, Vladimir então relembra a missa de Edson Luís, que fora reprimida violentamente.
A última passeata passou pela Presidente Vargas, Uruguaiana, Sete de Setembro, Largo da Misericórdia, Praça Tiradentes. Representantes da UNE, UME, UBES, AMES, líderes dos favelados, dos sindicatos e de intelectuais falaram mais um pouco na Praça Tiradentes. Para encerrar o falatório, Vladimir faz uma votação para formar uma comissão que trataria da libertação de estudantes presos. Fez também uma ameaça, foi cumprida: "A partir de hoje, para estudante preso, as entidades estudantis promoverão o encarceramento de um policial". Para finalizar, queimaram uma bandeira dos Estados Unidos. Assim terminava aquela passeata que reuniu 100 mil pessoas.
Durante todo o dia, apesar da apreensão e do medo dos participantes, dois sinais mostraram que aquela seria uma passeata sem violência: o primeiro, quando um Policial Militar do Batalhão de Choque entrou em grande velocidade pela Rua Evaristo da Veiga e foi vaiado. O segundo foi outra vaia, mas dessa vez, contra um helicóptero do governo do Estado que sobrevoou o local. No Rio de Janeiro, só houve um tumulto registrado, quando um agente da polícia foi descoberto e os protestantes queriam linchá-lo. Mas os seguranças dos estudantes não deixaram e colocam-no dentro de um táxi. Infelizmente em alguns estados houve alguns incidentes. Como em Goiás. A polícia baleou quatro estudantes, matando um deles. Em São Paulo, um carro-bomba explode no QG do II Exército, matando o soldado Mário Kozel Filho.
Essa manifestação mostrou que o povo era unido e solidário. Além disso, mostrou sua manifestação de maneira pacífica. É lamentável que essa manifestação não tivesse força para derrubar a ditadura. As outras que se seguiram não foram pacíficas e levaram a prisão de muitos. E, ainda,à morte de outros.